quinta-feira, 23 de abril de 2009

O Mercado da Bioenergia


Os brasileiros acostumaram-se a ouvir que o desemprego crônico que atinge 10 milhões de trabalhadores no país seria solucionado de maneira quase mágica com a retomada do desenvolvimento. O próprio Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), pedra fundamental do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, repousa sobre essa crença. Apesar de lógico -- pois não há criação de emprego sem pujança econômica --, o raciocínio representa uma meia verdade, como tem ficado claro nos últimos meses. Desde meados do ano passado, o país deixou para trás o ritmo moroso na economia que perdurou nas últimas décadas -- de cerca de 2,5% de crescimento anual -- e transitou para um patamar de expansão próximo a 4%. Para a surpresa de muitos, o desemprego nesse período aumentou, não o contrário. Não é que novas vagas não tenham sido criadas. O problema, alertam os economistas, é a falta de gente com capacitação para preenchê-las. O recente surto de expansão de alguns setores da economia ilustra esse descompasso. Quase 1 milhão de vagas estão sendo abertas nas usinas de açúcar e de álcool, na indústria do petróleo, na construção civil e no mercado financeiro -- só para citar alguns setores mais dinâmicos. Mas empresas dessas áreas têm tido dificuldade crescente para ocupá-las. "O Brasil vive uma situação surrealista: o país atrai dinheiro à vontade para investir nos mais diversos setores, mas falta mão-de-obra para trabalhar nos novos projetos", diz o francês Patrick Funaro, gestor de recursos de um fundo de 1 bilhão de dólares voltado para a bioenergia.

Parte do problema decorre de uma mudança qualitativa na economia brasileira. O fato é que o nível de exigência das empresas cresceu. Muitas delas estão se modernizando para competir em escala global e a busca por profissionais mais sofisticados tornou-se parte essencial do processo. No interior do país, o retrato dessa realidade em mutação pode ser visto na indústria canavieira. Estima-se que o setor irá contratar nos próximos cinco anos cerca de 300 000 trabalhadores. Diferentemente do que ocorria no passado, a maioria não vai empunhar facões para cortar a cana. Com a crescente mecanização da cultura e a informatização dos processos industriais, as usinas exigem pessoal cada vez mais especializado. Quem está abrindo unidades nas novas fronteiras agrícolas enfrenta um desafio -- treinar milhares de profissionais a toque de caixa. É o caso da Adecoagro, empresa de agronegócio que tem entre seus sócios o investidor húngaro George Soros. Na primeira semana de junho, Soros esteve no Brasil e anunciou que a Adecoagro investirá quase 1 bilhão de dólares na construção de três novas usinas em Mato Grosso do Sul. Para evitar danos ao meio ambiente, o projeto prevê a mecanização de toda a produção. Ainda assim, será preciso contratar mais de 5 000 funcionários. Como a mão-de-obra é escassa no Centro-Oeste, a empresa tem pela frente o desafio de buscar trabalhadores em outras regiões, treiná-los e fixá-los no cerrado -- tudo isso em apenas três anos. "Há milhares de brasileiros que precisam de um emprego", disse Soros a EXAME. "Nosso investimento terá de incluir o treinamento dessas pessoas."

No interior de São Paulo, usinas em expansão lutam para preservar a mão-de-obra que já têm, hoje na mira das demais empresas do setor. Por ora, a alternativa tem sido promover os funcionários com experiência e colocar estudantes e recém-formados em postos de menor responsabilidade. "Se não fosse assim, teríamos de reduzir o ritmo de crescimento", diz Carlos Dinucci, diretor da usina São Manoel, localizada na cidade de São Manuel, no interior paulista. "Nunca nossos trabalhadores foram tão assediados." A dança das cadeiras favorece profissionais de todos os níveis. Há seis meses, André Aparecido Grigolatto, cortador de cana acostumado a migrar constantemente em busca de melhores salários, foi treinado para ocupar o posto de operador de máquina na São Manoel. "Ganhei uma oportunidade de mudar de vida", afirma Grigolatto. Na mesma época, Marcos Antonio Risseti, químico com pós-graduação na área financeira, com 27 anos de casa, foi promovido a gerente da área industrial. "Nos últimos 12 meses, recebi três propostas de troca de emprego", diz Risseti. Ele preferiu ficar na São Manoel -- com 50% mais de salário. Para dobrar a produção, a usina já contratou 1 000 funcionários nos últimos dois anos, mas tem encontrado dificuldade crescente para selecionar outros 500. "Hoje, em quase todos os níveis, está complicado encontrar bons profissionais preparados para trabalhar", afirma Dinucci.

Fonte: Exame

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